sexta-feira, 29 de abril de 2016

Diálogo entre Cuca e Cutxi

- Cuca, brinca comigo!
- Não posso. Estou ocupada a decifrar Borges.
- Vá lá, Cuca, chama-me para os sete mares...
- Está bem. Vem.


- Cuca, atira-me a bola!
- Não tenho bolas. Só medalhões e certificados.
- Vá lá, Cuca, brinca comigo ao lencinho...
- Está bem (enquanto tira o lenço vermelho de bolas brancas que trazia na cabeça). O lencinho vai na mão, ele vai cair ao chão.


- Cuca, leva-me a passear na praia!
- Não há terra à vista. Só alto mar.
- Vá lá, Cuca, vamos construir castelos na areia...
- Está bem. Já vesti o biquíni.


- Cuca, manda-me para casa.
- Não quero. És a minha preferida.
- Vá lá, Cuca, Palmier vai ter saudades...
- Está bem (enquanto pega no esgotado segundo volume de Nabokov). Vai.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Afazeres para o fim de semana

Jogar futebol com ele, basket com ela e matraquilhos contra ambos. Jogar Uno. Jogar Fifa 16. (Ter o cuidado de não me ausentar da sala sem terminar o jogo. Da última vez, atendi o telemóvel e, quando dei por isso, ele tinha-me marcado 3 "autogolos".) Assistir ao jogo dele e aplaudir quando ele marcar pelo sporting. Ajudar num tpc de ciências. Ajudar a preparar um teste de matemática. Ajudar a fazer o pino. Ajudar a vestir. Ajudar a lavar os dentes. Ajudar a subir às figueiras. Ajudar a apanhar as laranjas da árvore e a descascá-las. Fritar batatas. Estrelar ovos. Fazer broas. Caminhar até à ribeira e mostrar-lhes a primavera. Fotografá-los na herdade. Correr. Cheirar as folhas de eucalipto. Dar umas voltas no trator. Andar de bicicleta. Mudar filtros e colocar pastilhas de cloro. Ver os lírios. Fazer um ramo de alfazema. Acompanhá-los a uma festa de aniversário. Ir a uma festa sem eles. Estar no almoço de domingo. Acordar cedo. Acabar os dias a ler o Mondragó em voz alta. Ponderar se estas listas  também agradariam...




quinta-feira, 21 de abril de 2016

O peso dos anos

Por estes dias, apresentam-me para aprovação as propostas de recrutamento. É sabido que raramente valorizo "tempo de experiência" e costumo recusar anúncios onde apareça como fator preferencial.
Repito que se a "experiência" fosse, por si só, elemento determinante, o burro que passa a vida em torno da nora teria inventado a geometria.


Insónias

Abomino a esperança. Névoa assimétrica que fica a pairar sem obrar. Não significa absolutamente nada. Cenário oculto sobre o qual não temos qualquer domínio e que está para lá do alcançável. Perspetiva de futuro inofensivo. Essência de indiferença. Suplício, este esperar com esperança. Os corredores azuis são intermináveis e sempre idênticos em suave uniformidade que me dá sono e não descanso. Resta-me a esperança de acordar.


terça-feira, 19 de abril de 2016

A fuga das galinhas - em perseguição do Gal'Inácio


Uso da liberdade

Reivindico todos os meus paradoxos.

Ora peanuts

Entre os "amigos" do facebook, uma senhora com quem me cruzo quase diariamente no parque de estacionamento e de quem sei apenas que trabalha num dos consultórios ali perto. Há dois dias, li que a senhora havia saído do seu habitual registo de La Bioguia para postar "Sei que ninguém lerá o meu estado, mas às vezes quando estou aborrecida, vou ao Jardim cubro-me de terra e finjo que sou uma cenoura!"
Estaquei. Confesso que fiquei fascinado. Haveria ali centelha? Gostei.
O meu desapontamento veio logo a seguir, com um convite para... dar continuação à cadeia...
Esta manhã, não resisti a cumprimentá-la: "Abóbora!" 

("Há três coisas que aprendi a nunca discutir com as pessoas: Religião, Política e a Grande Abóbora", Linus)

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Post com imagens. Não indicado para pessoas influenciáveis.



Ministérios de influências

Há quem se sintonize com os desenxabidos ares do tempo. Quem jogue às escondidas com as vacas hegelianas. Quem se mascare para o banquete aquecido no micro-ondas. Mas que delícia de angeologia cibernética! Há quem pinte as unhas com a trincha. Quem renuncie ao direito a viver num inferno de burocrática elegância, mas confortável, ainda assim. Quem cultive o porquinho mealheiro. Quem tenha pica em ir ao supermercado. Há quem persista em obras refutantes e quem insista na mediocridade. Há quem tenha risos de alçapão e nunca tenha ouvido "Ri-te, pequena. Ri-te. Olha que não há mais metafísica no mundo senão risos". Não há pachorra Boneca, estamos em Babel e não há chocolates.

Magistério de influências

Perante a saloiada das domesticações para um narcisismo sem rasuras, oponho a indisposição do delírio das diversidades. Aqui, o que escreve é sempre outro, como mobilis in mobili, como automóvel conduzido por Kairós, como móvel de Egos, como novel Daemon. Bem sei que tenho idade para estar caduco - terei? estarei? a eterna dialética do ser e do estar? - mas aborrecem-me as provocações que não provocam nada e detesto pastilhas elásticas de canela. Há quem escolha a estupidez e todos os seus apêndices. Deliberadamente. E pode até ter razões para a querer. Afinal, vem casada com a prostituição social e todos os noivos desta. Ainda por cima, sem contrapartidas. Há os que preferem partir a loiça toda e os que optam por dormir a sesta. Há os que até podiam ser inteligentes, não fora terem batido com a cabeça em miúdos, enquanto andavam de baloiço com as fofas de dois pares...

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Frémitos de utopia

Gosto de ver o mar mudar de cor. De poesia na ponta da língua, de arte nas paredes, de mulheres nuas, de móveis, de livros, de vidros, de mochos. Já vos disse que coleciono mochos? E elefantes. Gosto do que é provisório. Especialmente de castigos provisórios. Gostava mesmo de saber o tempo ideal dos castigos provisórios. Gosto de os fazer rir quase até à perdição. Mas de parar a tempo, antes que não aguentem mais e façam xi-xi. Eles só gostam de beijos secos. Eu gosto de todo o tipo de beijos. Gosto de passear. Há quem se defina como um cidadão do mundo. Eu reconheço-me como um mero buscador de mim. Um forasteiro. Quero acreditar em Sophia, quando morrer vou regressar para viver os instantes que não vivi junto do mar. Não sou homem de medos. Gosto de alguns sustos. A paixão, por exemplo, é assustadora. Talvez os únicos sustos de que gosto sejam os da paixão. Gosto de convicções de ética e de posições de estética. Desconfio de quem troca os conceitos. Tal como desconfio de quem escreve verdade com v maiúsculo para dizer coisas minúsculas. Gosto de trazer a infância pela mão. Talvez por isso lhes dê sempre a mão. Relevo a reputação. Se tiver de escolher, sobrelevo o ego. Gosto de estar onde me sinta tão perto do mar que me pareça poder tocá-lo. Mesmo que não baste esticar o braço. Gosto de ter tempo. Gosto de literatura. Gosto do tempo que passo a ler. Gosto que a leitura seja o tempo do tempo abolido.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Isto quer dizer alguma coisa

Há dias, ela convidou-me para jantar. Hoje...


(Não fora a rede social e eu ignoraria o dia que é hoje. Nem quero imaginar a desilusão da minha anfitriã.)

D'hoje

Um beijo?








Vá lá...



terça-feira, 12 de abril de 2016

Eppur si muove

As mulheres, tal como a sabedoria, deverão ser estimadas, inquietadas e apaixonantes.

Heterodoxias

O inventário da minha bagagem resume-se a palavras. Tal verdade revelada, porém, não me impedirá de pelejar desembainhando páginas em branco. Assim, através de sucessivos pensamentos em contrabando - talvez mesmo como perpétuo filosofante desaustinado - bater-me-ei pela esperança partilhada como direito fundamental.

domingo, 10 de abril de 2016

Dos posts em tempo real - o meio

Uma noite tenebrosa, das terras de Assur soprou um vento árido que fez estourar os grãos de milho e os pulverizou em todas as direções infestando desde Decápola a Ascalon. Ben-Bossa ainda tentou amedrontar os demónios, mas os espíritos atormentados das almas reproduziram pipocas sob todas as formas e feitios.
Sacrilegamente, erigiu-se o mau gosto em moda, os pastores de Idumeia em guias turísticos, os rebentos em manequins de montras, os contos macios de adormecer em mantras salutares. Tornaram-se os milhos estourados em bloggers capazes de emendar todas as desventuras dos esperançados anónimos e das crentes trigueiras.
Um dia do meio, qual Jeremias -o rabi maravilhoso, um fariseu murmurou que ele próprio havia repousado entre bálsamos de Gilead, arrancado os sete demónios do peito de Obed e as sete saias de Magdala, emborcado Barca Velha como Compal de uva. E, acalentado com a devota reverência dos que o seguiam, não se conteve a contar como ele mesmo havia sido degolado pelo salteador Barrabás e se erguera para voar sozinho num Boeing comercial.
Tudo isto foi ruminado por uma noite e aceite por aqueles para quem as estrelas são sempre claras e fáceis nos seus segredos. Afinal, também não se pede aos da Cultura que exibam educação.
Depois chegaram os ovos podres...

sábado, 9 de abril de 2016

Dos posts em tempo real - o princípio

Naquele tempo, caminhavam os Homens entre log e blog, como se das Torres de Gog e de Magog se tratasse, predizendo - os deslumbrados - a chegada de novos Messias. Nasceu então, entre as cigarras, a esperança de colher, se não sapientes  certezas, pelo menos os anátemas rituais que transformam a água em vinho. E os blogs floresceram entre espontaneidades ensaiadas, alegres e saltitantes, sussurrando sob pseudónimos. Alguns tinham manias e outros tinham taras, mas ninguém vivia descontente naquele mundo em miniatura, fosse abrupto ou mafioso, mesmo que desejasse casar. Forjaram-se então alianças, ressuscitaram-se recontros das justas, aceitaram-se convites por deferência, antagonizaram-se vizinhos em simulacros de combates que visavam, sobretudo, o prazer das palavras.
Naquele tempo, ninguém se afastava do lago de Tiberíade para penetrar em Enganim.
Naquele tempo, sempre que um blogger descrevia uma aventura mirabolante ou titulava sob tempo real, tanto anónimos quanto mulheres trigueiras assombrados acreditavam.
 
Naquele tempo ainda não pululavam os milhos estourados...  

sexta-feira, 8 de abril de 2016

E assim se medem os bloggers

Meros comentários de Outro Ente logo são ecoados em posts pelos que não conseguem voar.

Às vezes (ou uma aventura de linguajar)

Fico menos cansado do que à partida. Espero algo que valha a pena. Abandono-me à sede de infinito, ao som de Charles Mingus, ao fumo de Cohiba Behike, às palavras de Ary dos Santos. Não estou para aí virado. Fixo uma intenção que fique. Durmo ao relento num barco no mar. Brindo com Porto. Vou ao tempo que nunca vi. Pinheiros altos. Paciente, sem pachorra nenhuma. Clandestino nas margens imaginadas do oásis num deserto conhecido. Amante da mulher, baudelariana ou não. Gongórico na loucura. Fiel dos prazeres da carne e dos enchidos e dos tintos do Douro. Indisciplinadamente palavroso. Excessivamente críptico. Saudades da paixão.

Voando sobre um ninho de cucos

A metomania deriva da arrogância suburbana ou é consequente da megalomania? O deslumbrado conhece dinâmicas assertivas? O maniqueísmo é a condução nevrálgica que ignora os sinais de trânsito? As medidas populares são instituídas em piloto automático? Teremos sempre Estocolmo? Se a chuva é melancólica, o vento é feliz? Preciso de um sábado de sol.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Presente

Hoje, recordaremos episódios que não esquecemos e de que, talvez, nem nos lembrássemos se os não repetíssemos tal como no-los contaram. Tu foste a minha prenda mais-que-tudo. Costumava sentar-me ao lado do teu berço, naquela cadeirita de madeira vermelha com umas flores pintadas e o assento de verga que ainda hoje vive no sótão, a embalar-te. Na penumbra do quarto dos pais, abanava-te o berço cem vezes, enquanto as contava e me sentia crescido. Não só por saber contar até 100, mas porque tu dormias embalado por mim. Conta a mãe que uma vez, na pressa de ir ver o Lone Ranger, contei mais depressa do que o baloiço do berço e por pouco não te fiz voar. (Mas disso, eu não me lembro. Só de ouvir contar. De te adorar, porém, como o rei mago ao menino que dorme, disso lembro-me. Tal como lembro daquela vez em que brincava contigo: tu dentro de um parque e eu do lado de fora; tu bebé e eu criança com ânsia de te tocar; tu a ríres-te e eu a fazer caretas, a fingir-me um monstro comedor de rede de parque, a ficar com o dente preso, a arrancar o primeiro dente de leite.) Lembro-me de ainda teres todos os dentes de leite quando convenceste o pai a mandar construir uma gaiola onde tinhas dezenas de pássaros, incluindo um faisão real que passeavas ao ombro. Lembro-me de teres escondido o esquilo na casa de banho e de me teres pedido que desatarraxasse o bidé, quando ele se enfiou pela parte de trás; de não ter sido capaz de voltar a apertar os parafusos, de ter sido culpado por se ter partido o bidé. Lembro-me de teres levado os produtos da mãe para as tuas amigas se maquilharem e de ter sido um Carnaval lá em casa. Lembro-me de correr atrás de ti, segurando o selim, enquanto aprendias a andar de bicicleta; ainda sei que foi na "rua estreita" que andaste sozinho pela primeira vez. Lembro-me de teres medo do escuro e de não gostares de estar sozinho; por isso, respondia aos teus olá: subias as escadas e dizias olá, entravas no teu quarto e olá, atravessavas o hall olá, em cada divisão até regressares àquela onde eu estivesse olá, ecoava sempre olá. Lembro-me que apenas a disputa pelo beliche de cima nas férias nos fazia chegar a vias de facto. Lembro-me de seres o tomatinho maduro, de tão louro, tão sorridente, tão coradinho, tão querubim. Lembro-me de muitas outras coisas que não cabem nas conversas do almoço de aniversário. Lembro-me de sentir desde sempre, mesmo desde antes de o saber dizer, que "meu irmão" significa... entre nós, está tudo dito.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Eureka

Apostado em experienciar o banho Onsen, Outro Ente acordou às 05:30 daquela manhã, certo de que todos ainda dormiam.  De Kimono e chinelos, atravessou o hotel, até à zona do Spa; entrou na área reservada a homens e cumpriu o ritual de que lhe haviam falado. Sentado naquele banco minúsculo, olhou as portas de correr que o separavam da parte dos banhos localizados no exterior, em plena encosta de Hakone, com vista para o Fuji San; e, encheu-se de coragem. Outro Ente pegou no diminuto retângulo de tecido branco, segurou-o pelas pontas e centrou-o, tentando não pensar no quão ridícula lhe pareceria a cena, não fora dar-se com ele. Pedindo ao Buda dos auléu que ninguém entrasse naquele momento, caminhou em direção ao desconhecido. Com grande pena de Outro Ente, estavam já dois vultos no tanque. Ainda assim, segurando o retângulo no lugar, Outro Ente desceu os degraus e entrou duma vez. Posso dizer-vos que a sensação de bem-estar que assolou Outro Ente, assim que se viu imerso na água fumegante, se deveu menos à temperatura a rondar os 40º. Passados os momentos iniciais, Outro Ente apreciou a beleza do local que, coada pelos vapores que saíam das águas, apresentava um cunho etéreo. Depois, Outro Ente observou os seus dois companheiros de banhos: descobriu num o Charles Bronson de bigodito a boiar e  olhitos rasgados e noutro um samurai de carrapito preso na nuca. Este permanecia imóvel enquanto aquele, amiúde, molhava a toalhita e enrolava-a em formato de ninho sobre a cabeça, onde ficava a defumar. Finalmente, Outro Ente ocupou-se a engendrar a melhor forma de sair dali e concluiu que, no ritual do banho Onsen reside a origem de algumas regras da boa educação japonesas, designadamente as virtudes de caminhar ligeiramente curvado, como em permanente vénia, e as de andar às arrecuas, como em sinal de respeito a quem se não quer virar as costas.