quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Receita de ano novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Apotegmas para 2016 nisto dos blogs

Enquanto há vento é que é dar à vela. Kafka também vai ao cinema. Sabemos que tudo se irá repetir e tudo será bom. O pavão negro tem um canto escuro. Ou escuro será o riso do pavão de luto? Num blog talvez se escreva a linguagem como vida. O espelho suave reflete a morte na noite e a vida dos dias. Um post pode ser a melancolia no papel. Nunca sei se é resumo ou previsão. Plebiscitos ou campeonatos. Sobre o leite derramado, nem cães nem gatos. A encarnação da supressão ou a aniquilação da euforia. O novo ano é um acervo de momentos excecionais distendidos pelas possibilidades, sem presente. Belle Époque.





Não me digam que já não é Natal

Sempre houve cães na herdade e na quinta. Eram cães de caça e de guarda, do avô e do pai, que os seguiam para todo o lado e lhes obedeciam aos gestos, sem que me mostrassem a mesma fidelidade por mais iguarias que lhes desse. Aos seis anos, o meu desejo era ter um cão a que pudesse chamar meu e, acima de tudo, me sentisse como o seu. O Pinta chegou num dia bom. Inaugurou o canil do quintal e foi o meu primeiro cão: andava atrás de mim sempre que não corria à minha frente, jogava à bola e roubava do estendal o que pudesse, gania quando eu saía para a escola e latia ainda eu vinha antes da curva. Revelou-se um cão amalucado, com tiques de soberano ciumento e agressivo com outros bichos.
Era véspera da véspera de Natal. Levei um Pinta doente ao mata-cães (assim era conhecido o veterinário). Sem trela e preso apenas por horas, regressei com ele ao sofá poído da sala de jogos. Morreu-me durante a noite. Fui acordar o pai que embrulhou o Pinta numa manta, o colocou no jipe e nos levou à quinta. Tentei não chorar muito alto enquanto o pai abriu a cova.
No caminho de regresso, quase a chegar à curva, o pai assustou o silêncio: "Vamos fazer Natal!"


(Morreu o Tonic.)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

A pior prenda desta Natal

As colunas que o pai Natal ofereceu à minha filha... (Post escrito em parceria com "ela parte-me o pescoço".)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Isto não é o (Parabéns) da Joana

Na inauguração de uma exposição conversava com um grupo de conhecidos, alguns deles colegas doutras paragens, quando fomos abordados por um trio de jovens senhoras, que se identificaram como antigas alunas de alguns de nós. Pretendiam - disseram - desejar "Boas Festas para Vocês".

(É a perda da liberdade para ensinar, o que mais lamento nisto de não ser apenas Professor.)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Queria uma sobremesa galhofa e roliça mas saiu-me a hortaliça

Abotoam-lhes o colarinho. Assalta-me a vertigem da educação espartana. Ornamentação de vazio com simulacros de paraísos.
Proíbem os aplausos. Cenários tecnológicos dramatizam o apagamento esquizofrénico entre o culto da diferença e o culto da indiferença.
Proclamam o recital em substituição da festa. Performances de simulações atomistas num espetáculo sem objeto.
Apelam à interioridade. As manhas saloias dão-me vómitos. Desconfio dos caminhos para o (r)abismo.

(O que acontece quando se fecha o génio numa lata, qual fermento para bolos? Quando começámos a cultivar o vício da perfeição em detrimento do princípio da inocência?)





quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Princesas do gelo - post com bonus

Não foi uma viagem em busca da ideia de Homem nem uma visita à decadência. Houve, porém, um microcosmo com subjetividades suficientes para que ocupasse parte dos meus serões na procura de Madame Clawdia Chauchat, mais não fosse para chit-chat.
Frustrando-se, embora, meu inicial intento, a científica e interessada observação do universo feminino, permitiu-me elaborar a teoria: as mulheres disponíveis são as primeiras a aquecer ao chegar ao chalet, despindo os agasalhos assim que entram; e, são também as primeiras a arrefecer, procurando abrigar-se junto a mim, assim que saem.
Em conclusão: o tempo é muito subjetivo e os termómetros têm invejável finesse.

Regressado aos blogs, é com agrado que constato esta vaga de revelações intimistas, ao estilo do "quem é quem". Outro Ente aplaude e adere à iniciativa, deixando-vos o seu retrato em mais do que mil palavras:
 (Frozen)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Outro Ente também tem reputação. E amigas.

A minha querida amiga que mora no Bairro do Chá falava-me, há dias, sobre reputação. 
A minha amável amiga que mora na Descartes da 7ª Avenida, prontamente esclareceu:
Outro Ente tem reputação de gajo bom.

Nisto dos blogs, à fama segue-se o proveito?
 

Este anúncio de Natal também tem um velho




E é infinitamente menos mau. Daqui até à lua e de volta.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

E se for um blog assim? Assim!

Podes ter um blog, mesmo que não saibas cozinhar. Nem passar a ferro. Ainda que não gostes de galinhas nem da castração do bom-gosto dos outros. Poderás ser xamã da paixão oral: cantatas assobiadas, óperas dissonantes, poemas funcionais, tramóias em prosa.
Um blog pode passear em ambiente bucólico, ao som de névoas amarelas iluminadas por chocalhadas. Dispensar os rebanhos. Avacalhar. Sonhar com mulheres de Ceuta sem véus e sonhar apaixonar-se pela mulher que habita os sonhos. Ter medo de mulheres que bebem sumos de chuchu. Pensar "será que me esforço o suficiente?". Ser fútil. Ser soberbamente elitista, fanático de melhor, para todos. Não ter nada para afirmar. Nem para provar. Ser um canto desarrumado onde os deuses não passeariam. Se existissem. Parvoíces triviais. Simplicidades respaldadas em citações. Contemplação de aparatosas decorações. Discussões e desejos de apaziguação. Chinfrim de filosofias. Digressões etimológicas e tautológicas. Antropologias forçadas.
Um blog pode brincar às escondidas. À cabra cega. Erudito, parvo, artista. Interpretação, confrontação, exceção, refutação. Um blog pode ser puro jogo lúdico. Sem desejo de agradar ou de desagradar. Falar pelo prazer de falar e responder pelo prazer de responder. Sincretismo sem limites. Sem moralidades. Todo potencialidades. Sem crápulas execuções, sem rançosas perseguições, sem canalhas lições. Sem enxames de moscas deleitosas. Um blog pode ser balofa masturbação retórica, sem mácula, sem marca, sem rasgo, sem nada. Bestiário de fauna invertebrada. Grande utopia com cheiro a águarras.
Um blog pode ser contexto pluralista. Absurdo e paródia. Dissertação sobre o problema da chave de fendas; sobre o gosto de comer com molho; sobre os astracan cornudos e as couves de bruxelas; sobre a dona da lavandaria que tem qualidades superiores, estendidas aos quatro ventos com o resto da roupa.
Um blog pode ser um simulacro de fraude ou uma pessoalização abstrata.
O exotismo e a novidade fartam-se de morrer. Ao certo, nunca se sabe.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

#Eusounegro

“Vá a África e veja porque é que eles não trabalham. Gostam muito de sexo”

Espírito da época II

Porque não sabeis o dia nem a hora...
                                                            Desprezai o tempo e o lugar.
                                                                                                          
(Relógio de Outro Ente)



Espírito da época

"Comprar Estar presente" ainda pode vir a sair caro.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Solidários somos nós, porque entre nós é assim*

Era preciso fazer "compras de Natal". Os miúdos reclamavam-no ia para 11 meses. Estava na altura. Chegara a época. Tornara-se inadiável. "À abertura! ouviram?! Aviso já que só vou se for para estar à hora da abertura." Ninguém reclamou para acordar no sábado de manhã. Rendi-me. Chegámos, ainda antes da abertura. Descemos a um menos qualquer. Meia hora depois, ascendemos ao piso de destino. Abriram-se as portas do elevador. Fomos despejados no meio das gentes que, afinal, "à abertura" não conseguiu evitar. Cada um deles escolheu, em menos de um quarto de hora, o presente para o "amigo secreto" do colégio, ao som de hinos artificiais. Os embrulhos seriam num outro piso menos. Acharam que a D. H. faria embrulhos mais bonitos. Fretando o entusiasmo consumista da época, lá me resolvi a perguntar-lhes: "então e agora, o que vamos comprar?". Solidários entre si - e comigo -, numa solidariedade perfeita de corações, cabeças e estômagos, repleta de união, harmonia e desejos simbióticos, responderam-me a uma só voz: "Onde vamos almoçar?"

*Imaginar som e gesto de Amigo, dos escuteiros. 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

That's my boy (ou "quem sai aos seus")

Telefonaram do Colégio. O menino levou uma bolada na cara. É melhor vir.
Voei em 4 piscas. Encontrei-o, no campo, a jogar futebol...

A rigor

A minha irmã sofre de surdez feminina - condição comum a todas as mulheres e que consiste em não ouvir a palavra "não". Daí que o "não vai", "não fazes", "não quero" ou "não contes comigo" seja invariavelmente convertido em "vai", "faz", "quero" ou "conta comigo", levando-a a ouvir "causas vencedoras" quando se fala de "causas perdidas". Além disso, minha irmã consegue falar de Natal em agosto, com cara séria, e arrastar-nos para "aventuras" das quais, as mais das vezes, preferiríamos nem ouvir falar.
Desta feita, também o Mendonça Correia foi vitimado. (Aqui é onde abro o parênteses para vos recordar que Mendonça Correia é aquele meu amigo que se veste consoante a senhora da ocasião.)
Ora, ontem ao serão, estava eu embrenhado em Busca do Tempo Perdido - já vou quase a meio do segundo volume - e embalado pelo crepitar da lareira, quando Mendonça Correia me interrompe, para acertar uns detalhes sobre "aquela coisa da tua irmã em Lesbos". Só depois de se assegurar que minha irmã não estava nem era esperada, me aparece à porta... envergando um camuflado!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A mesma moeda

Aceito que há saberes para lá dos programas escolares, conhecimentos que não cabem em exames, mérito para além das notas. Reconheço a importância da avaliação. Agrada-me a felicidade.

Posto isto: e se todos aqueles que chegaram através de cunhas, copianço e cábulas, viajassem em avião pilotado por quem fez o mesmo?

Sous le ciel de Paris

A minha segunda namorada tinha o cabelo encaracolado. ( Para alcançar a importância de ter caracóis no cabelo, seria necessário que o tivésseis anelado.)
Sonhei namorá-la em Paris: conquistaríamos a cidade do amor e, com ela, a ele; tornar-nos-íamos eternos em we'll always have Paris; ela não esconderia os caracóis numa boina e eu não me assemelharia a Rimbaud - fora isso, seríamos vrai parisiennes -; ficaríamos hospedados entre Vosges e a Bastille; sem horários nem compromissos; desjejuaríamos na Bofinger, fosse ceia ou lanche; passearíamos de mãos dadas em Montmartre e acabaríamos sentados numa qualquer brasserie, aos pés do Sacré-Coeur; fotografar-lhe-ia as gargalhadas no carroussel da Maria Antónia e as poses à Isabel de Aragão, enquanto passaritos debicariam migalhas das suas mãos; nunca chegaríamos a descer ao Louvre, porque tropeçaríamos nos alfarrabistas e nos artistas da rua; escolheríamos fotografias da Ponte Neuf e evitaríamos a dos cadeados; passaríamos as soirées nos bistrots e fugiríamos dos cabarets e dos últimos tangos; beberíamos champagne com La grande Dame e devoraríamos baguetes e croissants no Ciel de Paris; Apollinaire inspirar-nos-ia; em Furstenberg seria ela a mais bela flor e nos Invalides cairíamos de amores...
A minha segunda namorada aterrou em Paris com um guia profissional.







terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Ai que giro pai! Então, fez-se de morto?! Boa, boa. Estou com uma fome.

Outro Ente viu o anúncio choramingas e não gostou.


(Claro que o mau feitio é meu. Já a piada de mau gosto...)

Salamaleques

"Pede vénia para assim significar". Assim começa o email que acabo de abrir. Apanha-me desprevenido, no regresso das conversas despachadas, que dispensam títulos e ignoram introduções.  


Razão tinha Torga:
Depois o céu abriu-se num sorriso,
E eu deitei-me no colo dos penedos
A contar aventuras e segredos
Aos deuses do meu velho paraíso.