sexta-feira, 24 de julho de 2015

Um post triste

Enfim chega da noite o triste espanto,
Mochos de voz triste e lamentosa.
Um sino dobra em mim Ave-Maria
E a noite é triste como a Extrema-Unção.


O dia deu em chuvoso,
Impeçam o cão de latir.
O que foi não é nada e lembrar é não ver
Porque pensar é não compreender.


Começa um rio numa gota de água,
Não deve ser de propósito que os dias correm.
Falta queimar a inspiração!


É esperar por D. Sebastião...



11 comentários:

  1. Dispenso a Extrema-Unção mas os dias de chuva não me assustam. São até os meus preferidos e é estranho como nunca os associei à tristeza.
    Bom dia Outro Ente

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    1. Querida Imprópriaparaconsumo,
      Depois de ler Álvaro de Campos, nunca mais deixei de pensar em "o dia deu em chuvoso" sem o associar à tristeza:
      O dia deu em chuvoso.
      A manhã, contudo, esteve bastante azul.
      O dia deu em chuvoso.
      Desde manhã eu estava um pouco triste.
      Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
      Não sei: já ao acordar estava triste.
      O dia deu em chuvoso.
      Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
      Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
      Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
      Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
      Dêem-me o céu azul e o sol visível.
      Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.
      Hoje quero só sossego.
      Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
      Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
      Não exageremos!
      Tenho efetivamente sono, sem explicação.
      O dia deu em chuvoso.
      Carinhos? Afetos? São memórias...
      É preciso ser-se criança para os ter...
      Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
      O dia deu em chuvoso.
      Boca bonita da filha do caseiro,
      Polpa de fruta de um coração por comer...
      Quando foi isso? Não sei...
      No azul da manhã...
      O dia deu em chuvoso.

      Um beijo,
      Outro Ente.

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  2. É mesmo: "pensar é não compreender"... é então por isso que dou voltas e voltas à cabeça, a pensar, às vezes a pensar porque não compreendo, outras a tentar compreender que há coisas que não são para compreender, mas então não deveríamos pensá-las. E pensamos, ou penso. "O que foi não é nada" mas vai sendo enquanto se pensar o que foi.
    Bom dia, Outro Ente :)

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    1. Querida Eva,
      É Alberto Caeiro quem diz "Porque pensar é não compreender... / O Mundo não se fez para pensarmos nele/
      (Pensar é estar doente dos olhos)/ Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... (...) Porque quem ama nunca sabe o que ama/ Nem sabe por que ama, nem o que é amar... / Amar é a eterna inocência,/ E a única inocência não pensar..." e " Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto,/ Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão./ A ave passa e esquece, e assim deve ser."
      Como vê, a poesia dá-lhe razão: há coisas que não são para compreender.
      Um beijo,
      Outro Ente.


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  3. Agora mais a sério, deixo-lhe isto:

    Vida

    Do que a vida é capaz!
    A força dum alento verdadeiro!
    O que um dedal de seiva faz
    A rasgar o seu negro cativeiro !
    Ser!
    Parece uma renúncia que ali vai,
    — E é um carvalho a nascer
    Da bolota que cai!

    Miguel Torga

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  4. "Há metafísica bastante em não pensar em nada."

    Um bom dia, querido outro Ente :)

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    1. Querida Miss Smile,
      Grande é a poesia.
      Um beijo,
      Outro Ente.

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  5. Apreciei este momento de poesia para lá de muito:)
    Obrigado.

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  6. Esperar por D. Sebastião pode ser exasperante...
    Ouvir Leonard Cohen é tão bom, dance me to the end of love é algo de extraordinário.
    Gostei da escrita.
    Abraço

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  7. " E eu não sei o que penso/Nem procuro sabê-lo".

    :)

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