Enfim chega da noite o triste espanto,
Mochos de voz triste e lamentosa.
Um sino dobra em mim Ave-Maria
E a noite é triste como a Extrema-Unção.
O dia deu em chuvoso,
Impeçam o cão de latir.
O que foi não é nada e lembrar é não ver
Porque pensar é não compreender.
Começa um rio numa gota de água,
Não deve ser de propósito que os dias correm.
Falta queimar a inspiração!
É esperar por D. Sebastião...
Dispenso a Extrema-Unção mas os dias de chuva não me assustam. São até os meus preferidos e é estranho como nunca os associei à tristeza.
ResponderEliminarBom dia Outro Ente
Querida Imprópriaparaconsumo,
EliminarDepois de ler Álvaro de Campos, nunca mais deixei de pensar em "o dia deu em chuvoso" sem o associar à tristeza:
O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.
Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.
Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.
Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.
Carinhos? Afetos? São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.
Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...
O dia deu em chuvoso.
Um beijo,
Outro Ente.
É mesmo: "pensar é não compreender"... é então por isso que dou voltas e voltas à cabeça, a pensar, às vezes a pensar porque não compreendo, outras a tentar compreender que há coisas que não são para compreender, mas então não deveríamos pensá-las. E pensamos, ou penso. "O que foi não é nada" mas vai sendo enquanto se pensar o que foi.
ResponderEliminarBom dia, Outro Ente :)
Querida Eva,
EliminarÉ Alberto Caeiro quem diz "Porque pensar é não compreender... / O Mundo não se fez para pensarmos nele/
(Pensar é estar doente dos olhos)/ Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... (...) Porque quem ama nunca sabe o que ama/ Nem sabe por que ama, nem o que é amar... / Amar é a eterna inocência,/ E a única inocência não pensar..." e " Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto,/ Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão./ A ave passa e esquece, e assim deve ser."
Como vê, a poesia dá-lhe razão: há coisas que não são para compreender.
Um beijo,
Outro Ente.
Agora mais a sério, deixo-lhe isto:
ResponderEliminarVida
Do que a vida é capaz!
A força dum alento verdadeiro!
O que um dedal de seiva faz
A rasgar o seu negro cativeiro !
Ser!
Parece uma renúncia que ali vai,
— E é um carvalho a nascer
Da bolota que cai!
Miguel Torga
Obrigado.
Eliminar"Há metafísica bastante em não pensar em nada."
ResponderEliminarUm bom dia, querido outro Ente :)
Querida Miss Smile,
EliminarGrande é a poesia.
Um beijo,
Outro Ente.
Apreciei este momento de poesia para lá de muito:)
ResponderEliminarObrigado.
Esperar por D. Sebastião pode ser exasperante...
ResponderEliminarOuvir Leonard Cohen é tão bom, dance me to the end of love é algo de extraordinário.
Gostei da escrita.
Abraço
" E eu não sei o que penso/Nem procuro sabê-lo".
ResponderEliminar:)