domingo, 14 de junho de 2015

Não basta ler

O capítulo 7 da Rayuela de Julio Cortázar é leitura incontornável.
Importa ouvi-lo, dito pelo próprio.
Impõe-se vivê-lo.
Se ainda não o leram, não o ouviram, não o sentiram, ainda não viveram. Não direi que ainda não viveram nada. Direi, pelo menos, que ainda não viveram tudo. Permitam-me o negrito.

Toco tu boca, con un dedo todo el borde de tu boca, voy dibujándola como si saliera de mi mano, como si por primera vez tu boca se entreabriera, y me basta cerrar los ojos para deshacerlo todo y recomenzar, hago nacer cada vez la boca que deseo, la boca que mi mano elige y te dibuja en la cara, una boca elegida entre todas, con soberana libertad elegida por mí para dibujarla con mi mano en tu cara, y que por un azar que no busco comprender coincide exactamente con tu boca que sonríe por debajo de la que mi mano te dibuja.
Me miras, de cerca me miras, cada vez más de cerca y entonces jugamos al cíclope, nos miramos cada vez más cerca y los ojos se agrandan, se acercan entre sí, se superponen y los cíclopes se miran, respirando confundidos, las bocas se encuentran y luchan tibiamente, mordiéndose con los labios, apoyando apenas la lengua en los dientes, jugando en sus recintos, donde un aire pesado va y viene con un perfume viejo y un silencio. Entonces mis manos buscan hundirse en tu pelo, acariciar lentamente la profundidad de tu pelo mientras nos besamos como si tuviéramos la boca llena de flores o de peces, de movimientos vivos, de fragancia oscura. Y si nos mordemos el dolor es dulce, y si nos ahogamos en un breve y terrible absorber simultáneo del aliento, esa instantánea muerte es bella. Y hay una sola saliva y un solo sabor a fruta madura, y yo te siento temblar contra mí como una luna en el agua.
 
 

12 comentários:

  1. «¿Encontraría a la Maga? Tantas veces me había bastado asomarme, viniendo por la rué de Seine, al arco que da al Quai de Conti, y apenas la luz de ceniza y olivo que flota sobre el río me dejaba distinguir las formas, ya su silueta delgada se inscribía en el Pont des Arts, a veces andando de un lado a otro, a veces detenida en el pretil de hierro, inclinada sobre el agua. Y era tan natural cruzar la calle, subir los peldaños del puente, entrar en su delgada cintura y acercarme a la Maga que sonreía sin sorpresa, convencida como yo de que un encuentro casual era lo menos casual en nuestras vidas, y que la gente que se da citas precisas es la misma que necesita papel rayado para escribirse o que aprieta desde abajo el tubo de dentífrico.»

    E há a busca pela Maga, que a todos acontece e que alguns diriam ser a própria condição humana. Um encontro casual é o que há de menos causal na vida.

    Boa tarde, caro Outro Ente.

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  2. Caro Xilre,
    Desejo-lhe um bom regresso. Por acaso, habituei-me a lê-lo com agrado.
    Um abraço,
    Outro Ente.

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  3. Escolhi este texto, precisamente este, uma vez, para mandar a alguém que me tocou o coração num encontro casual.

    Beijos, caríssimo Ente. :)

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    1. Querida Maria Eu,
      O capítulo 7 é o mais popular. (Deve ter sido um acaso sensacional.)
      Boa noite,
      Outro Ente.

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    2. Pelo menos para mim, tenho a certeza que foi. :)

      Boa noite, querido Ente. :)

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  4. Não faz ideia a quantidade de pessoas que já ouvi e li (dois dos blogs que leio já falaram nele, por exemplo), embevecidas com o beijo de Cortázar. Tenho-me contido, mas, agora, vou dizer.
    Há muita cerimónia nesse beijo, se me perguntar se a descrição é ou não bela, respondo-lhe sem hesitar, sim, claro que sim. Se me perguntar se já o vivi, respondo-lhe, não, não assim, não com essa estética literária. Foi demasiado urgente, a minha boca não foi desenhada com o dedo, demasiado sôfrego para atentar em coreografias, é o beijo da boca que nos mostra o quanto nos quer, o quanto nos tem querido beijar durante todo o tempo em que não o fez, o beijo tão cheio de vontade que a ser descrito, provavelmente, seria até muito pouco estético. Sim, este já vivi, já vivi. Então e o de Cortázar? sem dúvida, vale a pena ser lido.
    Boa noite, Outro Ente.

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    1. Querida Cláudia,
      Viver os beijos do cinema e esquecer os da literatura é recebê-los por menos da metade do que valem. Onde vê cerimónia, leio vagar, dedicação, quase-adoração. Se um beijo sôfrego revela desejo, um beijo paciente será ânsia de bem-querer. E, numa relação de amor cabem todos os beijos. Desconheço paixão sem beijos de lábios desenhados. O de Cortázar? Sem dúvida, vale a pena fazer.
      Um beijo,
      Outro Ente.

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    2. São os reais que valem a pena ser vividos, Outro Ente e são os do cinema e da literatura que são "vividos" "por menos da metade do que valem". "Vagar, dedicação, quase-adoração, ânsia de bem querer", definição de amor? sim, pelo menos para mim e pelo menos para mim, depois do vagar, passou pela sofreguidão do beijo, para voltar ao vagar, onde, sim, cabem todos os beijos. Só conheço paixão sem beijos de lábios desenhados, já o amor dedica-se mais ao desenho, concedo. O beijo que o inaugura fico feliz por não ter tido tempo para o desenho. Discordamos, portanto, nada que nos seja estranho.
      (preferi discutir beijos, um domingo à noite merece mais do que aqueles outros assuntos do outro post)

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    3. O beijo inaugural, que se não assemelhe a um primeiro beijo, só pode ser voraz. A sério que discordamos?

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    4. Ora, bem sabe que só aparentemente...mas as outras pessoas não precisam saber, afinal sou eu que trago a "animosidade" lembra-se...

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  5. Curioso como são de facto diversas as leituras. Onde li "Se ainda não o leram, não o ouviram, não o sentiram, ainda não viveram" associei sentir e viver a percepções directamente decorrentes da leitura e audição. Claro que nenhuma percepção que decorre da nossa leitura ou audição é directa, mas aqui não tinha contado com a sensível experiência sensual do beijo real, a duas bocas de carne. E sobre isso pouco ou nada trago a acrescentar, a não ser, já agora:

    https://www.youtube.com/watch?v=6KO51zzJ2tQ

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  6. Querida Lady Kina,
    Obrigado! Quando eu amo é sempre devagar. (Não é.)
    Um beijo,
    Outro Ente.

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