Há uns dias, li um artigo que me deu asco. Acontece com alguma frequência. Porém, desta vez, fiquei a pensar na forma de ajudar os desalmados assim perdidos neste mundo de definições. Decidi então criar esta rubrica, onde tentarei esclarecer os mais necessitados quanto ao seu lugar no catálogo.
Podem enviar-me as vossas dúvidas. Por exemplo: já fui do BE mas sem a Drago a coisa não é tão boa; era beto, mas cortei o cabelo "à homenzinho"; era freak, mas arranjei emprego como RP; gosto do Varoufakis mas abomino caloteiros. Em suma, aqui vos darei respostas a torto e a direito. Ou, mais precisamente, à esquerda ou à direita.
Por hoje, debruço-me acerca das dúvidas do gajo que escreveu o adeus ao sporting, justificando o abandono com a contratação de Jesus, e que terá ficado ao Deus dará, sem saber o que será agora que deixou de ser lagarto.
A resposta é simples: um tipo que deixa de ser adepto de um clube por Jesus ter entrado nesse mesmo clube é um anticristo.
PS1 - As minhas respostas não carecem de justificação, por serem evidentemente acertadas.
PS2 - Notem que isto é "público" (não "púbico") pelo que agradeço apenas as dúvidas que me colocassem olhos nos olhos - assim se cria um certo ar de intimidade - e com a vossa mãe ao lado.
Eu que nem sou de rotular, acho que é só parvo (porque não sabe distinguir um clube dos seus dirigentes e das decisões que estes tomam).
ResponderEliminarQuerida Mirone,
EliminarEu acho que é mais do que parvo. É parvalhão. No mínimo.
Boa tarde,
Outro Ente.
Se uns choram e deixam de dormir porque Jesus saiu, outros hão-de chorar e mudar de clube porque Jesus entrou. Estão bem uns para os outros.
EliminarLá está, chorar e deixar de dormir, enfim, é parvo. Mudar de clube é outra coisa.
EliminarTalvez não seja parvo, nem parvalhão. Talvez seja só um mais ou menos, era mais ou menos do Sporting. Os mais ou menos de alguma coisa, com facilidade passam a coisa nenhuma, ou a outra coisa qualquer.
ResponderEliminarClaudinha, fizeste-me reformular a meu comentário. Acho que nem mais ou menos era, não dá para se ser mais ou menos de um clube.
EliminarEu quando tinha 4 ou 5 anos dizia que era do Benfica, do Porto ou do Sporting consoante quem fosse à frente no campeonato nessa semana. Um dia o meu pai disse-me que isso não era ser de um clube, era gostar de ganhar, que ser de um clube era gostar dele quer ganhasse ou perdesse, porque os resultados mudam todas as semanas. Com4 ou 5 anos percebi aquilo e fiz a minha escolha. Portanto, reformulo o meu comentário. Não é parvo nem parvalhão (como eu também não o era quando aos 4 ou 5 anos mudava de clube conforme fosse conveniente), é só muito infantil e imaturo.
O meu irmão mais novo costumava dizer "sou do que ganhar" quando lhe perguntavam o clube. Dava-me ganas de o estrafegar. (Mais ainda do que quando respondia "é igual ao mano" sobre o bolo, o gelado, o brinquedo, o que fosse, que queria) Depois cresceu.
EliminarEsta ideia de que as relações se fazem e desfazem facilmente, de que não há nós seguros, de que se não for bom não estou para aguentar, de tudo ser descartável, até os clubes, até as pessoas, é das que mais me repugna.
Pode não ser infantilidade, pode ser só vontade de pertencer, escolher alguma coisa para fazer parte, sem convicção, sem paixão, quando assim é, o foco não está na coisa escolhida, mas na vontade de pertencer, então a coisa acaba por ser indiferente, se é indiferente é facilmente substituível.
EliminarO excesso, a facilidade de obtenção é tão prejudicial como a escassez. O que é sólido não é descartável, mas o sólido leva tempo a construir, carece de empenhamento, implica obstáculos para ultrapassar e no mundo da facilidade de obtenção, de uso, o que dá mais trabalho perde para o que dá menos, ou trabalho nenhum. Acho que se escolhe à pressa e o que está mais à mão, lá está, talvez a necessidade de pertença volte a sobrepor-se e portanto, costumo pensar que é natural que nós feitos à pressa facilmente se desfaçam.
Todas as receitas falam em q.b. para as quantidades, devíamos ter vários q.b. na nossa vida, acho que gostaríamos com muito mais intensidade, com muito mais entrega, com muito mais convicção, porque ficávamos com mais tempo para pensar, para escolher o melhor para nós, talvez fosse a receita para acabar com a indiferença do mais ou menos e com a inutilidade da pertença sem significado.
Gostei!
EliminarSinceramente não sei muito bem, Cláudia. Querer pertencer a todo o custo pode ser revelador da tal infantilidade e imaturidade. Uma pessoa madura, segura das suas convicções não fará assim tanta questão de pertencer a um grupo, suponho que prefira honrar os seus princípios (se o fizer integrado num grupo, tanto melhor).
EliminarNão tenho dúvidas de que quando aos 5 anos o meu pai me disse que devia escolher, fiz uma escolha por impulso, a que me deu menos trabalho, como dizes. Mas foi uma escolha que se enraizou e, na medida em que não é determinante na minha vida (como seria, por exemplo, a escolha de um parceiro, de uma profissão, de uma cidade para me fixar, em que estando irremediavelmente mal, sublinho o irremediavelmente, devo mudar - porque tenho noção de que há situações que ainda têm remédio e pelas quais vale a pena lutar), opto por honrar, mesmo que não me traga as alegrias que desejo.
Mas lá está, inversamente, não sendo determinante na minha vida (porque na a minha vida não consigo atribuir esse papel ao um clube de futebol, mas há quem o faça), não vem grande mal ao mundo se mudar, apenas sublinha a minha imaturidade ou incapacidade de lidar com as frustrações.
Trocado por miúdos: a escolha de um clube tem muito pouca relevância na minha vida, estabeleci outras prioridades, ainda assim tenho maturidade suficiente para aceitar que o meu clube me há-de dar desgostos, mas nenhum desgosto é tão forte que me leve a abandoná-lo. Para trocar de clube por causa da contratação de um treinador esse clube teria de ter uma importância na minha vida que actualmente não tem. Eventualmente, em última análise, sendo uma questão determinante na minha vida, seria revelador de maturidade reconhecer que a relação está irremediavelmente afectada, infantilidade seria insistir nela por capricho. Mas um treinador muda-se a qualquer momento - como se viu, não me parece que configure uma situação irremediável em que a ruptura seja a solução que se impõe..
Mirone, da escolha do clube passámos para outras escolhas, para outros laços da nossa vida e como tantas vezes são tão precárias essas escolhas, esses laços e por isso tão facilmente descartáveis. Digamos que, aqui, a escolha de um clube de futebol e a desistência, deu o mote para alargar a discussão a outras situações da nossa vida.
EliminarMirone, o ideal seria que a palavra adulto não representasse apenas ter uma determinada idade, claro, o ideal seria que tivesse correspondência com uma personalidade forte, bem estruturada munida de uma data de apetrechos que nos tornariam imunes a muitas coisas, que, se bem analisadas, até talvez não nos convenham assim tanto. Mas eu acho mesmo, que muitos adultos, são só crianças grandes a querer pertencer ao grupo e não confundir com o não deixarmos de ser crianças, mas naquela parte maravilhosa em que não nos levamos demasiado a sério, em que continuamos a gostar de brincar e a encantarmo-nos com as coisas.
A vontade de pertencer, de ser aceite, de fazer igual para ser igual, acho eu, conclusão inteiramente da minha responsabilidade, é a grande responsável pela predominância de momentos mais ou menos na vida de muita gente, sim, somos todos adultos, ou pelo menos assim diz o cartão de cidadão.
Se não acontece contigo, se todas as tuas escolhas foram feitas com convicção e com paixão (para mim, em algumas escolhas a paixão é fundamental) acho que mereces parabéns.
Sim, absolutamente de acordo, a maturidade não vem por decreto, a idade pode ser muito pouco relevante quando falamos de idade. Há adultos em idade absolutamente imaturos em carácter e há outros com maturidade suficiente para perceberem que precisam de, por vezes, libertar a criança que persiste dentro de si (infeliz de quem não mantém um lado infantil) e deixá-la brincar.
EliminarNão estou de parabéns, Cláudia. Como toda a gente, é claro que fiz escolhas por conveniência, por comodismo, mas depois apaixonei-me por algumas delas, outras abandonei. Outras que tomei por paixão, e cheia de convicções tive de abandonar (sofri horrores, mas teve de ser), outras preservei.
Todos nós gostamos do sentimento de pertença, ajuda a reforçar a nossa identidade (acho que já falámos disso neste blog, nos primórdios, até concluímos que estávamos a falar da mesma coisa, lembras-te, ou não foi contigo?), e essa necessidade de pertencer a um grupo pode, a certa altura, condicionar os nossos comportamentos. Acontece que se não houver um mínimo de identidade com um grupo, se as nossas as escolhas forem exclusivamente motivadas pela necessidade de pertença, essa não identidade acabará por nos minar e, das duas uma, ou viveremos infelizes a simular uma identificação com determinados valores que não são os nossos ou, mais tarde ou mais cedo, abdicaremos da segurança/conforto que a pertença a um grupo nos proporciona (e o processo pode ser tremendamente doloroso) para seguirmos um caminho com que nos identificamos (num mundo perfeito esse caminho até nos pode levar a um grupo a que nunca imaginámos pertencer).
Gosto muito destes momentos passados em caixas alheias.
quando falamos de maturidade* (em vez de idade)
EliminarMinhas queridas,
EliminarQuase me sinto tentado a dizer-vos "aquilo é só futebol", mas gosto tanto de vos ler que prefiro atentar nas vossas coincidências.
E assim, reconheço que é mais fácil desistir do que aderir. Há quem demore um ano a planear a boda e em duas semanas trate do divórcio.
De todo o modo, o sentimento de pertença não se confunde com a necessidade de aceitação. Um é sadio, o outro doentio. Alguns são só chatos.
Beijos,
Outro Ente.
Se me permitem meter o bedelho: a escolha, e sempre tão prematura, de um clube de futebol, parece-me ser motivada evidentemente pela anuição/ necessidade de pertença (pois que quem é alguém é adepto e de preferência fervoroso de algum clube de futebol - sim, estamos a falar do nosso portugal). Desde pequeninos nos perguntam "qual o teu clube?", como "o que queres ser quando fores grande?", ou, até, "gostas mais do pai ou da mãe?", "já tens namorado/a?". São convenções, modos diversos de nos predisporem à bovina convivência. Igualmente se espera de nós que tenhamos um credo e sejamos politicamente partidados. Acreditar que fazemos opções realmente...
ResponderEliminarGostar de um jogo, seja futebol, xadrez ou uno, não me parece relacionar-se directamente com preferências clubísticas,e tão exclusivistas,e tão preconceituosas, ao ponto de engendrar-se um circo, adentro o já de si espectáculo que o futebol constitui, em torno da contratação de um treinador.
Aproveito o espaço assim aberto, oportunidade que agradeço ao anfitrião, para uma espécie de homenagem ao meu pai recentemente falecido. Não encontro palavras em funerais ou outros eventos em que a mesma seja esperada, quase obrigatória. Dizia eu, e em homenagem a um pai cujo alerta à reflexão me resta recordar, dizia ter tido um professor que nos seguintes termos se referia àquilo que hoje em dia acredito ter par na chamada opinião pública- "bacocaria nacional"!
EliminarLady Kina,
ResponderEliminar"bovina convivência "? O que me ri com esta sua expressão.
Afinal, sempre vamos mudando?
Boa noite,
Outro Ente.
Querida menina,
EliminarO comentário anterior foi, evidentemente, publicado na sequência do seu primeiro.
Um beijo,
Outro Ente.
Compreendido, evidentemente. Reiterados agradecimentos, quem sabe se caprinos. :-)
EliminarEu sp disse, até posso mudar de marido, agora de clube, jamais! (Ainda q deixe de ir ao estádio, de ver os jogos com o mm entuasiasmo...)
ResponderEliminarQuerida MMSI,
EliminarHá coisas que não são descartáveis. (O marido, essa espécie sagrada de homens, é uma dessas.)
Um beijo,
Outro Ente.
Isso já depende. O meu, até ver, calha ser dessa safra, mas isto nunca se sabe :)
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