quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A sorte de Outro Ente

Na calada da noite, arrebatava-me a energia de Hara que corria em vai-vem pela alameda, deixando-me para trás no alpendre, com o Cohiba do serão, dois dedos de Hennessy e os pensamentos inconsequentes e desordenados próprios de quem quer silêncio e mais nada.
O toque do telemóvel anunciou Medina. Viera queixar-se-me dos "enérgicos desinteressantes" que, não confiando em si próprios, procuram obter confiança "na mente", com frases-do-dia, karmas e ajudas várias, sejam auto-, hétero- ou homo-, ignorando que uma mente forte é a que vacila. Dizia Medina ser por isso que os "originais interessantes" sabendo-o, não confiam nela.
Pimentel Medeiros - o génio que aos dezoito anos nos confidenciou que morreria cedo porque "todos os génios morrem novos" e que, quando confrontado com Einstein, recuara na pressa em morrer, mas não na certeza da sua genialidade. Tendo, entretanto, concedido que, não lhe faltando génio, talvez não seja ainda suficientemente louco - interrompeu-nos com a habilmente forjada desculpa de ter passado para se inteirar do "cão novo".
Pela terceira vez naquele serão, tocou o telemóvel, anunciando a chegada de minha irmã. Ainda apanhou Pimentel Medeiros a proclamar que o evangelho das mulheres é o Decameron e já só fui a tempo de desviar a questão da sensualidade feminina para a discussão inconclusiva sobre os justos-não-santos, esses pecadores portadores de original incapacidade para atingir o seu propósito, e os pecadores consumados, plenos na sua natureza e que se não confundem com os pecadores impenitentes.
Partiram pela ordem de chegada. À despedida, minha irmã segredou "não tinhas dito que ias passar o serão sozinho?", "tinha", "...que sorte!".  

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