quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Sous le ciel de Paris

A minha segunda namorada tinha o cabelo encaracolado. ( Para alcançar a importância de ter caracóis no cabelo, seria necessário que o tivésseis anelado.)
Sonhei namorá-la em Paris: conquistaríamos a cidade do amor e, com ela, a ele; tornar-nos-íamos eternos em we'll always have Paris; ela não esconderia os caracóis numa boina e eu não me assemelharia a Rimbaud - fora isso, seríamos vrai parisiennes -; ficaríamos hospedados entre Vosges e a Bastille; sem horários nem compromissos; desjejuaríamos na Bofinger, fosse ceia ou lanche; passearíamos de mãos dadas em Montmartre e acabaríamos sentados numa qualquer brasserie, aos pés do Sacré-Coeur; fotografar-lhe-ia as gargalhadas no carroussel da Maria Antónia e as poses à Isabel de Aragão, enquanto passaritos debicariam migalhas das suas mãos; nunca chegaríamos a descer ao Louvre, porque tropeçaríamos nos alfarrabistas e nos artistas da rua; escolheríamos fotografias da Ponte Neuf e evitaríamos a dos cadeados; passaríamos as soirées nos bistrots e fugiríamos dos cabarets e dos últimos tangos; beberíamos champagne com La grande Dame e devoraríamos baguetes e croissants no Ciel de Paris; Apollinaire inspirar-nos-ia; em Furstenberg seria ela a mais bela flor e nos Invalides cairíamos de amores...
A minha segunda namorada aterrou em Paris com um guia profissional.







6 comentários:

  1. E não subiriam ao segundo piso da torre Eifel, porque da vidraça do Jules Verne o mundo parece pequeno e, seria uma desgraça. :)

    Um grande Abraço

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    1. Meu caro,
      Já assim, foi como foi: desengraçada.
      (A torre é para ser vista do banco do jardim.)
      Um abraço,
      Outro Ente.

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  2. Ahahahahaha! O que está o Ruben Patrick a fazer neste post?! ;)

    Pensava que só a minha avó dizia desjejuar.

    Não há meio de me conciliar com os meus caracóis (os dos cabelos), todos os dias os castigo com o calor do secador. Este post também não ajuda. Da primeira vez que fui a Paris, aos 13 anos, era um autêntico patinho feio. Na altura não esticava o cabelo. :)))))))


    (Este post fez-me rir. Obrigada!)

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    1. Querida mirone,
      É para jogar ao "onde está o wally"?
      Faz-me sentir compungido com este post que "não ajuda". E se lhe disser que os cabelos engomados e os corpos sem formas são criação de homens... com gostos diferentes dos meus e, aposto, dos de Senhor seu marido?
      Desde que se sinta um cisne e goste de o ser.
      Eu gosto de patinhos. Acho-os encantadores. Tanto, que foram um dos primeiros posts deste blog.
      (Sinto-me despeitado.)
      Um beijo,
      Outro Ente.

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    2. Peço desculpa, Outro Ente. Quem diz a verdade não merece castigo e eu preferi não elaborar um comentário romântico-bajulador e ser mais espontânea e escrever sobre o que realmente senti. É o que senti foi uma grande vontade de rir, porque me lembrei do meu primeiro namorado, dos meus caracóis sem serventia, da minha avó e do Ruben (o avatar do Ruben Patrick é o Joe Dassin).

      É, de facto, um post muito muito bonito e que nos faz desejar que tivesse sido o nosso primeiro namorado a escrevê-lo. Sem mágoa ou amargura, reconheço que o meu primeiro namorado - que deixou de o ser em menos de um ano - seria incapaz de o fazer. É impossível deixar de rir quando me lembro dele, da simbiose que criámos - ele tinha uma explicadora "com benefícios" e eu a ilusão de fazer dele um diamante brilhante. Na idade em que acreditamos que conseguimos mudar o mundo acreditamos que ambém conseguimos mudar as pessoas. Com o tempo isso passa. Passou-me em poucos meses. Deixei-o como o encontrei, um calhau com olhos (mas um bonito calhau, um colírio, diziam as minhas colegas). Não mudei o meu namorado mas mudei o cabelo, que é um bocadinho de mundo, também conta.
      A minha luta com os caracóis é antiga, lembro-me de ser miudinha e de reclamar com a minha mãe porque me estava a magoar, que não me queria pentear e que quando fosse grande iria ter o cabelo liso. Tenho dias em que baixo os braços, faço tréguas, e imagino que os meus caracóis largos saíram de um anúncio de champô e são brilhantes e perfeitos, no seu desalinho e rebeldia. Mas não são. Não passam de umas ondas irregulares, mais largas atrás e em cima, mais crespas nas têmporas e nuca e que me deixam com um ar desleixado, de quem desistiu de cuidar de si. Há que escolher as nossas lutas e na luta de me aceitar como sou (é uma gaita aceitarmos que não somos perfeitos e que é reconhecermos beleza nisso), aceitei o facto de não ter caracóis capazes de fazer sonhar o meu primeiro namorado (nem os que vieram depois). Terei outros encantos.


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