Era uma noite quente. Saímos os dois, para respirar o mar. A mão dele dentro da minha. "Não apertes tanto pai". Mas eu gosto de o ter ali e esqueço-me de não apertar. Aliás, gosto tanto de o apertar que, quando lhe dou a mão, (e damos sempre as mãos) rodeio o seu pulso com o dedo. "Fazes-me cócegas pai". E eu gosto de lhe fazer cócegas. E de o ouvir rir. "Mais não pai". E de sentir aquela mão pequenina dentro da minha. Como um casulo. Gosto de casulos mais do que de sedas.
Mas, dizia que passeávamos de mão dada. Melhor, ele dá-ma e eu seguro-lha. Isto é, seguro-o. Adiante. A certa altura, interrompendo a nossa conversa sobre "o pastilhas e o soneca", ele diz "ni-co-la", apontando o reclame luminoso do café de praia. Apertei-lhe um pouco mais a mão.
Depois disso passou a ler "vo-ta" nos cartazes de propaganda. E "mo-ta" e "va-ca" e "pi-pa" nos jogos de palavras.
Ontem ao serão, exibia-se lendo palavras do livro de português que já chegou "fo-ca", "da-do", quando lhe apontei a palavra dedo escrita sob a respetiva imagem. Muito compenetrado, pausadamente, ele disse "u-nha".
(Aquelas imagens. O menino inerte. Os meninos sem casulos.)
Ainda está manhã, Com a minha filha no carro, pensava nas centenas deeninos sem casulos. Ontem faltou-me o chão quando entrei em casa da minha mãe e o meu sobrinho me estendeu os braços gorduchos e o sorriso desdentado. Trazia uns calções azuis e uma t-shirt encarnada. Na televisão mostravam o bebé afogado na Turquia, de calções azuis e camisola encarnada. Continuo a não perceber como há raspas que se julgam a salvo desta tragédia humanitária.
ResponderEliminarCentenas de meninos*
ResponderEliminarHá pessoas*
(Hei-de lançar um foguete no dia em que conseguir escrever um comentário sem erros)
Querida Mirone,
EliminarO plural não substitui o singular. O número de mortos não impressiona mais do que aquele morto. A vida é incomensurável. Não vale a de muitos, mais do que a de um. Aquele menino comove.
Um bom dia,
Outro Ente.
Para quem é pai (e mãe) dói-nos muito ver imagens que imediatamente transportamos para nós próprios.
ResponderEliminarAgarra bem esse menino, Ente.
Querida Uva Passa,
EliminarÉ impossível olhar aqueles bracinhos imóveis ao longo do corpo sem pensar no aperto dos abraços e no calor das mãos.
Um beijo,
Outro Ente.
O calor dos nossos ainda nos faz sentir mais agudamente o frio...
ResponderEliminarBeijos, caro Ente.
Sim, querida Maria Eu.
EliminarReconheço que foi só depois de os ter meus. Como se tivessem vindo ensinar-me, também, a empatia.
Um beijo,
Outro Ente.
No desespero da busca de respostas para tanto porquê, fui desencantar a tradução da inscrição nas costas do oficial que carrega o menino ao colo, cuja curvatura e semblante revelam toda a tortura que aquela pessoa está a sofrer, e, ironicamente, ou talvez não, significa "Polícia de Investigação Criminal". Ponhamos os olhos no adjectivo.
ResponderEliminarUm beijo abraçado, Outro Ente,
Linda Blue.
Querida Linda Blue,
EliminarEu já estou por tudo. Que se percam os porquês. Bastar-me-iam as soluções.
Um beijo,
Outro Ente.