segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Pondo a escrita em dia

Igualar os seguros de saúde à ADSE é, além do mais, esquecer que há vida para lá dos 65/70 anos. Eu não sou contra a ADSE. Pelo contrário. Apoio o alargamento universal dos seus beneficiários. Se a ADSE é bom, o Estado sabe fazer bem, logo, o Estado tem o dever de fazer igualmente bem para todos os seus cidadãos. Sendo que o bem dos outros não me incomoda, limito-me a pugnar pela igualdade perante o Estado. Afinal, o Estado somos nós-cidadãos. Separando as águas, a Igreja somos nós-católicos. Enviaram-me um cartaz humorístico que dizia que Catarina também tem dois neurónios, mas não falam um com o outro. Não sei quem é a Catarina. Ainda não passei o meio do volume II em busca do tempo perdido. Sobram-me dedos para contar as horas de sono das últimas três noites e faltam-me números para contabilizar os quilómetros. Fizeram-me um convite inesperado e não recusei. Não é quando não escrevo que não estou, é quando não leio. Talvez me apeteça algum concurso...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Não é um post sobre política

"Gasta-se o que se deve,
Ainda que se deva o que se gasta."

Para Filipa, talvez poesia...

"fiquei sem o que sentia
o amor desapareceu
de repente
entraste novamente em casa
livre
mas já não te podia amar
o depois nunca foi antes
e os teus olhos cinzento azeitona
só eram depois
espezinhado no antes
dei-te lembranças e fui-me
embora
como seria de esperar
nada fizeste
ainda bem."
(Francisco D'Eulália)



Hálito de um mundo embaciado

(Toso Dabac)

Longos passeios solitários em noites de nevoeiro. Sapatarias em vez de cafés, aos pontapés. Edifícios de uma baixa exibem cicatrizes de guerras. Pessoas que se esforçam por entrar numa prisão onde também nós escolhemos estar. Talvez nos evadíssemos todos. É entre nativos que não gosto de falar estrangeiro. Não existe nenhuma novidade em dizer que a constituição se constitui. Ignora-se o devir quando só importa chegar. Decalcam-se os padrões, mesmo os não contemplados pelos copistas. À chegada, ela convidou-me para jantar.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

No palco desta noite

Talvez a lua não seja o norte do mar...
Afinal, também não é o meu.


Um café?

o inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
e uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro

 
outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu , não, nunca choraste
por amores que se perdem

 
os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
E temos saudades desse mar
Que derruba primeiro no nosso corpo
Tudo o que seremos depois

 
"pago-te um café se me contares
o teu amor"

José Tolentino Mendonça

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Retrato de mulher

(Miró @Art Institute of Chicago)

É capaz de ser melhor

Recebo uma dessas revistas que gosto de folhear. Eu, que até nem sou dado a revistas, pego nela com expectativa. Afinal, é uma daquelas "só para os melhores", que afaga o ego e apela ao elitismo do clã dos cavalheiros. Desta vez, começo a ler o editorial e percebo logo que algo mudou, e não foi só a fotografia do dono. Vou perdendo o entusiasmo com o pedantismo e o cheiro a mofo, que me enjoa. Persevero  na leitura de um texto claramente escrito por um homem que, não sabendo ser o que é, aspira a ser nem sabe bem o quê, mas que nunca saberia ser. Chego ao parágrafo final e deparo-me com um "latinismo" tão pretensioso quanto forçado. Quando alguém se valer do nome de família para se definir com importâncias, e não tiver outro argumento senão "nomen est omen", seja lá o que isso for e valha o que valer, convirá que se rodeie de anónimos que saibam emendar o "nomen est omne" e rir de brocardos tão vazios como os nomes e as palavras sem mais nada.
Sendo uma revista de imagens não literárias, talvez volte a ela...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Os gatos (mesmo)

Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto...
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem


Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa

Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos.

(Manuel António Pina)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A magia do cinema

Levei-os a ver os esquilos. Ou melhor, fui com eles ver o filme dos esquilos. Aliás, fui vê-los ver os esquilos. Os degraus/bancos continuam demasiado rijos, pelo que, após dez minutos, ele trocou de lugar para o colo,  justificando a minha presença. Eles riram com as cenas do filme e eu ri com o riso deles. Rimos tanto, que quase esqueci a imundice da sala atapetada de pipocas, a fila perigosamente em cima do ecrã, o casal de adolescentes a meu lado que só não precisavam de um quarto por serem adolescentes e os vinte minutos iniciais de publicidade. À saída cruzei-me com um conhecido - não sei se conhecem aqueles conhecidos com quem não simpatizamos, apesar de não termos razões ponderosas para antipatizar, e que, não tendo filhos, se dirigem aos nossos com voz de falsete - "Então, gostaram do filme?". "Do que eu gostei mais foi quando ele fez xixi pelas pernas abaixo. E um cocó."

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

És o rei és feliz

Cumpriria O ofício de viver em 1984 com Sentimento do tempo marcado pel' O pêndulo de Foucault na República da Terra sem vida, habitando n' A ilustre casa de Ramires, ao lado d' A fábrica de chocolate, com Alice no país das maravilhas. Em tais circunstâncias de tempo e lugar, responderia pel' A importância de se chamar Ernesto, transfigurado em Júlio d' Os cinco. Voaria com Peter Pan Debaixo do Vulcão e nadaria As vinte mil léguas submarinas com Moby Dick, sob As ondas. Avistaria As brumas de Avalon enquanto desse A volta ao mundo em 80 dias através de longas Viagens pela minha terra. N' As vinhas da Ira salvaria todos os Pássaros feridos, que nem O cavaleiro da Dinamarca. Seria discípulo d' O conde de Monte Cristo, lacaio de D. Quixote e tutor de Os Thibault. Desprezaria Madame Bovary e amaria Jane Eyre vestida com O vermelho e o preto. Haveria Guerra e Paz e Crime e Castigo, mas já não haveria Os miseráveis nem O homem sem qualidades. Deixaria Ulisses partir sozinho e ficaria À espera de Godot até apreender a Mensagem e, aproveitando que Longos dias têm cem anos, seguir Em busca do tempo perdido. Respeitando Coração, cabeça e estômago, comeria Chocolate à chuva com Este rei que eu escolhi e dissertaria acerca do Ensaio sobre a cegueira enquanto não fosse bafejado pel' O som e a Fúria da Aparição. Então, proclamaria um Auto de Fé e viveria A divina comédia.
Se tivesse de escolher? Seria O grande Gatsby n' A montanha mágica.
Só um? Ficções!





Maria da Lua

Maria de Lurdes tinha uns olhos enormes num corpo franzino. Apesar de ser mais velha, parecia-me tão tenra e frágil como um dente-de-leão. A quem lhe perguntava o nome, era lesta a responder "Maía da Úa". E, Maía da Úa pegou. Minha avó dizia que Maía da Úa era faltita e escusava-a dos trabalhos mais pesados da quinta a que seu pai a destinava, dizendo que precisava dela dentro de casa onde lhe dava pão com manteiga. Recordo alguns episódios protagonizados pela Maía da Úa, como aquele em que, por ocasião de "limpezas grandes" de verão que incluíam a lavagem das paredes, me ter dito que tinha visto o salão cheio de fuínhos. Não sabe o que são fuínhos? Então, fuínhos são búaquinhos nas paedes. E aqueloutro em que, pela manhã, me perguntou se já tinha visto os cabros. Nasceram de noite. Nenhuma cabra. Todos cabros. Com a morte da mãe de Maía da Úa, minha avó envidou no sentido de a entregar a D. Amarina, para que aprendesse o ofício de costureira. Mas, Maía da Úa tinha a cabeça na lua e não conseguia aprender. Foi para França, para casa de um seu tio. Só voltei a vê-la passados muitos anos, uma dúzia ou talvez mais, num Agosto em que me encontrava em casa de meus avós quando ela veio mostrar o neto ao pai e aos irmãos que deixara na terra. Os mesmos olhos gigantes na mesma figura franzina. Uns olhos tão grandes e um sorriso tão rasgado que parecia só ter cabeça. Exatamente como um dente-de-leão, preso ao chão pela mão da sua criança.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Por mais que insistam

Sempre que as colunas emitirem "Hello" vou sentir-me compelido a trautear "Is it me you're looking for".

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Mais de noventa? Eu só tenho seis.


Visita os teus avós. Não deixes de levar os bisnetos. Convida-os para almoçar. Quando os convidares para almoçar começa por dizer que os vais buscar e levar a casa. Lembra-te que o teu avô, o homem mais forte que conhecias, aquele que te levava às cavalitas e atirava ao ar, agora tem um ombro, dois joelhos e uma mão. Pede água à refeição, que o apreciador de vinhos passou a tomar medicação. Elogia-lhe o porte de cavalheiro e segreda à tua avó que ela está muito bonita. Fala das caçadas. Não dos faisões da semana passada. Das outras. Daquelas em que o acompanhavas pela herdade para treinar os cães. Daquela vez em que o Preto levantou um coelhito que correu na tua direcção e tu te assustaste “avô, parecia-me que era um lobo”. Recorda os jogos que te levou a ver no estádio e os pastéis de Belém que se seguiam, mas já não lhe fales do jogo de ontem, que ele não viu. De hoje, só importam os golos marcados pelo teu filho. Aceita que o político que conhecias perdeu interesse em saber os nomes dos secretários de estado. Ouve-o sobre comícios e discursos de outros tempos, sobre as lutas e as eleições que já esqueceste. Ou mesmo nunca conheceste. As únicas eleições sobre as quais eles querem ouvir falar são as que envolvem os delegados de turma do colégio onde tantas vezes te foram buscar e cujos cantos já nem tu percorres. Deixa-os olhar os teus filhos. Deixa-os fitá-los até que os olhos se enevoem. Finge que não vês. Pega a tua avó ao colo para entrar e sair do carro. Disfarça e gaba-lhe a elegância. Despede-te com abraços e beijos. Ensina os teus filhos a despedirem-se dos bisavós com beijos. E abraços. Dos fortes.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Carnaval

"Este ano quero ser princesa. Não uma princesa da Disney. Eu quero ser princesa de verdade."
Expliquei-lhe que "princesa de verdade" era-o todo o ano e, para isso, não precisava de máscaras, disfarces, vestidos ou pinturas.
... continuarei a tentar.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A sorte de Outro Ente

Na calada da noite, arrebatava-me a energia de Hara que corria em vai-vem pela alameda, deixando-me para trás no alpendre, com o Cohiba do serão, dois dedos de Hennessy e os pensamentos inconsequentes e desordenados próprios de quem quer silêncio e mais nada.
O toque do telemóvel anunciou Medina. Viera queixar-se-me dos "enérgicos desinteressantes" que, não confiando em si próprios, procuram obter confiança "na mente", com frases-do-dia, karmas e ajudas várias, sejam auto-, hétero- ou homo-, ignorando que uma mente forte é a que vacila. Dizia Medina ser por isso que os "originais interessantes" sabendo-o, não confiam nela.
Pimentel Medeiros - o génio que aos dezoito anos nos confidenciou que morreria cedo porque "todos os génios morrem novos" e que, quando confrontado com Einstein, recuara na pressa em morrer, mas não na certeza da sua genialidade. Tendo, entretanto, concedido que, não lhe faltando génio, talvez não seja ainda suficientemente louco - interrompeu-nos com a habilmente forjada desculpa de ter passado para se inteirar do "cão novo".
Pela terceira vez naquele serão, tocou o telemóvel, anunciando a chegada de minha irmã. Ainda apanhou Pimentel Medeiros a proclamar que o evangelho das mulheres é o Decameron e já só fui a tempo de desviar a questão da sensualidade feminina para a discussão inconclusiva sobre os justos-não-santos, esses pecadores portadores de original incapacidade para atingir o seu propósito, e os pecadores consumados, plenos na sua natureza e que se não confundem com os pecadores impenitentes.
Partiram pela ordem de chegada. À despedida, minha irmã segredou "não tinhas dito que ias passar o serão sozinho?", "tinha", "...que sorte!".  

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Este fado de dar bola

Quando um "fadista" diz que as mulheres bonitas são burras, está a querer insultar as bonitas ou elogiar as feias?

Se tivesse de escolher

D. Palmira recebe os meus filhos com beijos. E os dos outros também. Quando chove, apressa-se entre o telheiro e os carros que deixam os meninos, de chapéu XL em punho, não vão ficar desconsolados. D. Palmira entrega-me um guardanapo amarrotado que embrulha o dente de leite da minha filha, que queria ir brincar e tinha medo de o perder. D. Palmira coloca as toucas no bolso dos roupões e se não fosse ela já ninguém podia ir para dentro da piscina. D. Palmira descalça o meu filho que saltou nas poças e coloca as botas junto ao convector enquanto lhe calça as sapatilhas da ginástica. A D. Palmira faz bolo de chocolate e põe os meninos de castigo no banco. Nos dias de salsichas, D. Palmira serve hambúrguer à minha filha, que é a única que não gosta e é uma pisca, mas a D. Palmira lembrou-se dela. D. Palmira sabe sempre o que marcou o dia dos meus filhos e conta-mo quando os vou buscar. Seja o menino que encheu o polar de cola e não sei como fez aquilo que até no pescoço tinha cola e foi preciso tirar aquilo com ferro quente, seja a menina que passou os intervalos a tocar flauta e já toca muito bem, mas soa-lhe melhor se elas forem tocar para as traves, do outro lado do campo. D. Palmira ata atacadores e abotoa botões difíceis, limpa lágrimas e faz pensos assustadores de gaze e ligaduras e adesivo por causa de dói-dóis pequeninos. Nunca chego tarde, mesmo quando já não há quase ninguém, porque D. Palmira precisava mesmo da ajuda deles. E, quando finalmente chego, D. Palmira repete sempre “tão lindos, tão bonzinhos, não se metam é com ele...”. Mas, do que eu gosto mesmo, é do que me diz D. Palmira no outro dia de manhã, todos os dias “vá descansado que eles ficam-me encomendados”.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Economia política

Mandamento do dia: suspenda-se a consciência.

Os casamentos de uns são melhores do que os de outros

As cores partidárias nunca escorarão um odiozinho tão profundo como as tricas académicas. Não vi colarinhos duplos, apesar da infestação de grilos. Elas continuam melhor do que eles. Não me lembro de todas as namoradas. Não me esqueci de todos os alunos. Aproveitam-se tão poucos.  Nunca contaram comigo para trupes, mas acompanhava nas serenatas. Saltávamos o muro das Teresianas. Namorei uma Teresa. Esperávamos que a luz acendesse e apagasse três vezes. Nem sempre esperei o suficiente. Lembro-me dessas eleições para a AAC. A sede numas águas furtadas junto à Praça da República. O Moita a escrever cartazes noite dentro. O Jorge a beber cervejas que lhe eram oferecidas pelas miúdas do público num concerto improvisado ali mesmo no bar. Os Cohiba estão secos e não me recordo de ter visto um higrómetro na lista. Estás igual...
Ela veio buscá-lo para mais umas fotos e ele lançou-me o mesmo olhar de quando o professor de finanças públicas nos dizia "os senhores hadem".
...O noivo declamou Pablo Neruda em Ação de Graças.