segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Uma chuva imperturbável

Saboreamos as memórias como se refletissem, com exatidão, a coleção de instantes que guardamos na caderneta dos selos intocáveis, oriundos de regiões de álibis francos e improvisos clementes.
Há uma sofreguidão em compor todas as cartas, como espelhos de perfeição sem escrúpulos.
Comovem as figuras dos desiludidos que recusam consolo, a casmurrice gráfica dos mártires, o embaraço colorido das olheiras.
A ilusão de uma repetição não é incoerência menor do que a de uma descoberta.
Nada foi igual à impiedosa lembrança. 

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Talvez, se não tivesses crescido, te levasse comigo

Não sei quando deixei de pensar, todos os dias, na minha primeira "namorada a sério".
Sei que ela era a perfeição e que, durante o nosso tempo, fomos perfeitos juntos. Lembro-me de tudo ser novo, por mais que o repetíssemos. Do colar de coral comprado em Split, depois de o regatearmos, por entre as tuas risadas e desabafos "parecemos ciganos"; de o quereres trincar, mesmo dentro da loja bafienta à entrada do palácio, para "ter a certeza de que não é plástico". Do nosso Milestone e das "walking distance". De te ensinar que uma cidade se conhece a pé. Daquele dia de sol em que desabou uma chuvada e vestiste o saco de plástico; de nos termos refugiado numa cabine telefónica e de termos rido até secares. Quando passo em Marylebone, continuo a recordar aquele instante perfeito em que foste bela. Não me dei conta do momento em que deixaste de te despentear e os corais deixaram de ser dignos do teu colo. Não sei quando deixei de pensar em ti.
Este, será o fim de semana daquele que era o nosso carnaval. Sei que foi por isso que hoje me lembrei de ti. Sei que irei, com a certeza de te não encontrar. Cresceste e deixaste de gostar de brincar. Eu não.

Nem adivinho o que lhe saiu na rifa

Conheço o Mendonça Correia, vai para 30 anos. Dono de uma cultura livresca fenomenal, de um sentido de humor genial e absolutamente alheio ao senso comum. Com ele conheci o casino da Póvoa e os Alonso Menendez, discuti Engels e duvidei de Nietzsche, vivi uma aventura em Salamanca e conduzi um Aston Martin, fiz uma tirada até Andorra e passei férias num barco em Henley-on-Thames. O Mendonça Correia sempre disse que, se tivesse de trabalhar, seria funcionário público, por não haver mais nobre função do que a de servir o interesse geral; e que, se tivesse um filho, o chamaria Bruno, para que fosse um cidadão do mundo e o seu nome soasse igual em qualquer parte. Ao despedir-se de um grupo heterogéneo, seja depois de um jantar ou no final de um email, é invariável com "beijos nas damas e abraços nos valetes".
A perfeição deste meu amigo só é beliscada pela sua fraqueza perante as mulheres. Sempre que se apaixona, Mendonça Correia muda de figura. Assim, era vê-lo de sobretudo preto e camisola de gola alta quando estava com a outra professora; de botas timberland e mochila às costas quando vivia com a instrutora de ioga; de camisa aos quadrados na altura da vereadora; de máquina fotográfica em punho na época da arquiteta; de fato e gravata no tempo da juiz.
Hoje, vi-o de cabelo comprido, camisa rosa e calções...

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Todos presos para a prisão

Confrontado com o manancial de hoje, pensei em escrever sobre a distinção entre moral e direito; ou entre amoralidade e imoralidade; ou entre roubo e furto; ou entre ladrão e corrupto; ou entre responsabilização e penalização; ou em debruçar-me sobre a diferença entre os que vivem à custa de e os que são parte integrante de, ilustrando, quiçá, com as figuras dos chulos e das putas...
Está visto que ainda não é desta que escrevo um post sobre futebol.

Os hotéis delas, o romantismo e a minha credulidade

Não há mulher que se preze que não gabe o hotel onde dormiu, aventando-lhe qualidades supremas prontamente ilustradas com as fotografias tiradas.
O hotel que escolheram (se foi escolhido por eles "para elas" isso então, epá, isso então é, se possível, ainda mais top) é sempre ma-ra-vi-lho-so e lindo e giro e espaçoso e enooorme e grande e relaxante e cativante e paradisíaco e clean (limpo está out) e proporciona uma verdadeira sensação de absorção ao contrário. Tudo acompanhado do respetivo detalhe fotográfico. (A dada altura, o entusiasmo somado à praga de fotos já só faz pensar em publicidade encapotada. Só que não.)
E eu acredito! Mesmo quando estou a ver que não. Eu acredito! (Para mim continua a ser Vidago Palace ou Vilalara, consoante as coordenadas geográficas onde me encontro.) Mas, acredito! Até acredito que é o melhor que alguma vez conheceram. Eu acredito que o hotel era tudo o que dizem e mostram. Eu acredito que vos "soube pela vida" e aquele 5 (ou seriam 3) estrelas era o absolut-vodka-very-best-céu-na-terra-paraíso-terrestre. Eu acredito!

Agora, que me digam que o hotel era "super romântico" e não tenham uma única fotografia do teto... nisso é que eu já não acredito!
Misericórdia...

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Vamos às boas

Quando uma pessoa tenta gostar da guerra dos tronos, mas acha mais piada à guerra dos phones, recorda as boas séries...



com ênfase para a série com o melhor genérico de abertura...

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Com tantos blogs bons

Intriga-me a quantidade de pessoas que dizem ter desperdiçado tempo de férias com blogs medíocres.
Haverá quem pense que as horas não compreendidas na folha de ponto são menos valiosas?
Prejuízo é acreditar em mulheres que começam as frases por "sinceramente".
Os ovos moles deixaram-me um travo amargo. A indigestão causou-me pesadelos de traição e revolta em Vimaranes.



sábado, 22 de agosto de 2015

Fantasias inconsequentes

Não sei se antes: do beijo do sol, do pó do caminho, do toque do sino, da revoada das aves, da imobilidade do génio, da esquisitice da sombra, do flamejar dos astros, dos borrifos das ondas, do avistar dos vultos, do assolar da consciência...
Não sei se depois: do veludo do crepúsculo, do toque da pele, do rolar das pedras, do remate da torre, da suavidade do silêncio, do sono dos veneráveis, da descida das escadarias, do ardor do combate...
Não sei se enquanto tudo é dominante e profundo e isolado e fundido...
Não sei quando me surpreendo esquecido das horas, cravando lembranças que roubarei ao esquecimento, criando tempos para te procurar. Apenas reconheço que assim me acho, hesitante entre ceder à violência que seria desenganar a inutilidade ou arriscar professar a terna crença que sugestionas.


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Leituras destas férias


(Esperava mais do primeiro e menos do segundo. O terceiro foi o que mais me agradou.) 

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

terça-feira, 18 de agosto de 2015

É o fim do caminho

O caminho faz-se caminhando, para a frente é que é caminho, por vezes é a subir, mas é para baixo que os Santos ajudam e há quem se meta por atalhos. Para caminhar 36 lances é prevenir que serão mais de 120, omitindo o não subentendido de se falar em metros, e advertir que só os fortes lá chegarão. É mais fácil ensinar que quanto mais alto se sobe mais longe se vê do que quanto mais alto se sobe mais pequeno se parece aos olhos de quem não sabe voar. O caminho que sobe também desce e entre dois pontos o mais curto é em linha reta. Prefiro a solidez do que não caiu, não cairá à do caído, cata-vento. Há quem volte sempre, há quem permaneça e há quem não saiba a diferença.
(Se não tenho fotografias mais bonitas? Claro que sim, mas estão habitadas.) 

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Sinais ambíguos

Os perritos e seus cocós dizem muito sobre o civismo do barrio.
A exploração de cavalos, atrelados dias inteiros, à torreira, de freio na boca, puxando coches em pisos que lhes são tão penosos, diz o quê sobre quem?

domingo, 16 de agosto de 2015

Que nos chamem loucos

Que marquemos encontro com Alfonso e façamos coro em Ena. Que na íngreme San Fernando te apoies em mim, mas seja pelos San Marcos que te perdes. Que troquemos Lillas Pastia pela Betis. Que te mire guapa enquanto José faz 35 anos a cortar "francês? Ah, português: presiuto". Que me pegues na mão em Alcázar. Que me faças esquecer as sevilhanas para ficarmos apenas com os ritmos. Que me chames cariño pelos paseos. Que nunca desistas, mas saibas sempre quando parar.   

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Um barco para Ítaca (não tem nada a ver com blogs)

Há quem seja filósofo de frases feitas e há poetas de clubes mortos. Há quem cite Eça e há apaniguados dos Santos. Há quem conheça as proibições concretas e há quem ignore os direitos universais. Há quem escreva a linguagem como vida. Há quem não se desculpe por pertencer à aristocracia do espírito. Há quem pinte melancolia no papel. Há quem cultive posturas alienantes. Há quem desencarcere o espírito em palavras. Há quem não goste de poesia e, por vezes, nem de prosa. Há quem perca o fio à meada e há quem não saiba rir da piada. Há tessituras poéticas que tornam singular a assinatura incógnita. Há american pies e há ases pelos ares. Há, sobretudo, a efemeridade:
"De ser imortal, ó Deusa, eu morreria".

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Discere mutari est

No silêncio cabem todas as palavras.



segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Memórias de arroz doce

Durante o Verão, lá na herdade, era frequente aparecerem mulheres carregando travessas de arroz doce, pedindo a minha avó que as enfeitasse para serem centros de mesas de casamentos. Provavelmente por saber escrever, a avó fazia brilharetes desenhando os nomes dos noivos com pó de canela. Talvez por isso, sempre tenha associado o arroz doce a festas. Amarelo polvilhado de castanho sabe mesmo a alegria. Assim, não admirava que, pelo meu aniversário, pedisse uma travessa de arroz doce feito pela Madrinha Docelina e enfeitado pela minha avó, em substituição do pão de ló. "Parabéns Outro Ente" era o tema. E minha avó esmerava-se nos arabescos das letras.
Deixei-me de festas de aniversário quando me faltou o arroz doce. Nesses dias, estou deliberadamente longe de casa. Como se houvesse outras razões para não comer aquele arroz doce. Como se não fosse inelutável. Como se fosse opção. Não é. 
 

Dos resultados do jogo

A avaliar pela quantidade de jornais desportivos no areal ninguém diria ter havido jogo ontem. E as eleições ao virar da esquina. Isto assim não vai lá.

domingo, 9 de agosto de 2015

sábado, 8 de agosto de 2015

Empate técnico

Pontapés de saída mais ouvidos por estes dias:
"São seus?" e "São tão lindos!".

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Dos casais perfeitos

Ele tem uma teia tatuada no meio das costas. Ela tem uma aranha na omoplata esquerda.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Promessas são para cumprir

O dia tinha tudo para correr mal. Estar num sítio com a sensação de estar a falhar noutro. Perceber que só uma mulher poderia ter inventado a expressão "um homem de fato está sempre bem" e não ter vontade de rir. Chegar à hora de almoço e não ter assinado documento nenhum. Discutir o assunto com a chefe do projeto que me confidencia "deve ser muito bom ter nervos de aço, mas o que eu tenho é um cólon irritável que está muito irritado". E constatar que tenho, não apenas a melhor equipa, mas também a mais bem-educada. Depois, em vez de retomar, recomecei.
No regresso, congratulava-me com o contrato firmado, quando tocou o telefone. Um amigo de longa data com quem não falava há tempo demais. E assim se recebe o prémio e se regressa à casa de partida. A vida também é álea, e eu jogo para ganhar.  

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Contas de contar

O problema do número 1 é contarem sempre com ele. O problema do Algarve é estar a 2 horas e meia de viagem. O problema dos 11 é não contar nenhum. O problema dos números é estarem sempre a mudar. O problema do infinito é ser uma palavra. O problema dos entendidos é precisarem de moderador. O problema das cláusulas gerais é serem areias movediças. O problema dos contratos é a singularidade. O problema dos nossos é contarmos sempre com a compreensão. O problema dos outros - ou será o nosso? - é saberem que podem contar. O problema da responsabilidade é fazer contas. O problema de não ter horários é não ter férias. Amanhã é dia de gravata. Não há problemas. 

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Ironias perfeitas

Chegaram à praia fazendo jus à "gente gira" que se produz para desfilar as toilettes das revistas de cruzeiros >50. Ela teria idade para ser tia. Ele seguia atrás dela, com o jeito gaiato de quem nunca foi mais do que afilhado. Refastelados nas espreguiçadeiras, pegaram nos seus livros. As letras garrafais evidenciavam a sintonia: liam o mesmo autor.
(Poucos são os temas que me fascinam tanto quanto o dos casais perfeitos. Uma espécie de "querer crer" de quem reencontrou a fé mais vezes do que aquelas em que a perdeu.)
Escorreu o dia sem que me apercebesse de que tivessem trocado uma palavra entre si, apesar de ele ter trotado sempre que ela deslizava ao lava-pés.
Vinha-me embora quando reparei que ela lia O Manipulador e ele O Testamento.

Sem asas

Na madrugada fantasmagórica, surge um mar de piratas povoado de navios decadentes sombreados pela maresia. Os meus falcões têm asas de toalhas e lançam-se em voos corridos até perder de vista ou faltar o fôlego. O que vier primeiro. Agosto eclipsou-se da nossa praia para as filas nas padarias. Sobre um areal deserto, o vulto fez içar uma bandeira sem caveira, de cor amarela, certamente receoso de nos perder para a maré. À beira mar construímos torres inventadas que nos elevam a fantasia de sermos reis de rapina. Éramos três falcões. Os únicos a existir...
O sol descobriu-nos envergonhados das asas postiças. Não dos voos alados. 

segunda-feira, 3 de agosto de 2015