Carta aos homens que nunca amei
Vim para Pirata para fugir aos homens que me bafejavam declarações de amor imbuídas de mau hálito. Neste navio ninguém cheira mal da boca e, parecendo que não, isso não é desprezível no aumento da minha qualidade de vida.
Nunca gostei de homens estagnados e de imaginação estéril que nem para movediças dunas serviria. Não os quero lá em casa vivendo um maniqueísmo simplista. Repugnam-me a dogmatização da vida, ainda que sob capa farisaica, a iluminada perfeição, feita da remissão de pecados, e a verdade absoluta, disfarçada de manto teórico.
Alguns dos homens que não amei ensaiaram escrever-me poemas e citar-me Borges, mas fiz-me de surda e disse-lhes que não sei ler.
Que me interessa quem conduz o carro, se neste navio que capitaneio aboli credos e crenças, etnias e intolerâncias e institui uma resolução maior de respeito pela diferença e apreço pelas divergências? Na caminhada amadora dos meus dias, repleta de dedicação, humildade e esforço, não é a glória que me compensa mas o lampejo da lua.
Escolhi apaixonar-me pelo mar, não para me tornar plácida sereia de candura e cauda cintilantes, mas para ser amante do infinito, profundo e imprevisível. Para poder ser errante sem nunca errar e poder cambiar o sentido da rota sem que, no fundo, nada mude. Sou menos andarilha do que me julgam, atracada à sereia que em mim também habita. E, consumo-me nesta luta titânica, sem saber o que será melhor escolher. Sei, porém, que a sereia está condenada a não ganhar. Pelo menos, enquanto não usar sapatos.
O mar não corre sempre. Às vezes, fixo-o a cinzel e escopo numa fantasia naufraga. Nesse instante, arrependo-me com um grito fugaz de raiva súbita pela falta de movimento. Então, retomam as ondas prenhes de silêncio e despertam as palavras num arrepio lento, em confidências que só eu escrevo, em canções que só eu danço.
Aos homens que não amei faltou o lampejo de um caminho desconhecido, feito corpo e sentimento. Faltou o talento do gesto, da vontade, do beijo. Faltou o êxtase do sonho cumprido. Os homens que não amei não souberam ser alento, alimento interior, essência do meu templo, sustento das palavras que reinvento, entusiasmo de algo mais do que procuro.
Não é que não compreenda a história dos meus desamores, é que ainda está longe de começar a minha história de amor.
Já acabou? Misto de sentimentos, desolada pelo óbito do movimento em oposição ao deleite com este post final brilhante.
ResponderEliminarÉ o "plágio" mais bonito da história dos plágios.
ResponderEliminarDeclaro-me oficialmente comovida.
Vénia.
(Muito obrigada)
Concordo. Até parece escrito pela Cuca.
EliminarVénias (for both of you).
Também achei lindo, já disse lá na Cuca e agora digo aqui. Parabéns, Outro Ente, está brilhante.
EliminarMuito grato pelos vossos simpáticos comentários. Reconheço que o objetivo era brincar com os visados. Ainda bem que gostou Cuca.
EliminarBom dia,
Outro Ente.
Embora já muito atrasada, não quero deixar de dizer que este pedaço de escrita, tão bom, demonstra aquilo que eu acho que é uma das suas particularidades boas. O Outro Ente, quando lê, lê a sério, não passa só os olhos pelo que as outras pessoas escrevem, por isso consegue estes "plágios", assim, perfeitos, aqui não está só um estilo copiado, está um retrato de quem presta realmente atenção.
ResponderEliminarQuerida Cláudia Filipa,
EliminarQue grande elogio("uma das"? Ena, aguardo pela revelação das demais.)
Um beijo,
Outro Ente.